quinta-feira, 9 de julho de 2009

Atenas de Meleto (2º episódio)

Oh, perdoe-me. Eu aqui, entretido com o notebook e acabei esquecendo os modos. São anos sem exercer a etiqueta, desculpe-me. Venha convidado, vamos passear, você pode anotar minhas observações num bloquinho mesmo.

Estranho que nos seus olhos não consigo diferenciar a admiração da envolvente curiosidade. O último sorrateiro que me roubou o direito de privacidade está cortado em pedaços, então se considere com sorte. E se fosse Carlos o seu anfitrião, provavelmente você estaria digerido agora. Não, ele não é lobisomem, muito menos vampiro. Nem eu. Vê? Eu coloco a mão para fora da janela e não estou cheirando carne podre.

Muitos nos confundem com essas criaturas. Se elas existem mesmo ou não, você descobrirá mais para frente, se eu achar prudente contar a você. Não existe um nome certo para o que eu sou. Não sou um vampiro, não sou uma líder de torcida heroína, não sou o Wolverine. Eu apenas vivo bastante e tenho sorte. Minhas necessidades são humanas, biológicas. O que me torna diferente dos mortais é exatamente o tédio que a suposta “imortalidade” causa.

Veja bem, não tenho como saber se eu sou imortal ou não, porque posso cair morto em 5 minutos, daí não serei mais imortal. Essa vida longa, porém, me aproxima da bestialidade.

Mas voltando ao tédio, alguns de minha “espécie” procuram satisfazê-la com violência, sexo, sangue, como você verá que é o caso de Carlos. Eu cansei disso. Nunca tentei e pretendo morrer antes de tentar. É por isso que você, caro candidato número 2, está aqui. Carregar esse segredo depois da minha morte.

Bom, você deve estar curioso sobre o final da batalha de Platéia. Aquele torpor involuntário que tomou conta de mim acabou alguns dias depois. Eu acordei de súbito, em um quarto luxuoso, em Atenas. Meu pai estava do meu lado, segurando minha mão, portando um olhar que explicitava a morte de minha mãe.

Em uma semana, ele explicou-me o que eu era, de onde eu vinha e por que eu estava ali. Isso eu te conto quando der. Continuei em Atenas, já que me consideravam doente, pois eu apresentava características albinas, vistas como enfermidade na época. Em aproximadamente 410 A.C., fui apresentado a um formidável homem. Ele atendia pelo nome de Sócrates.

Devido à minha atual condição de “enfermo”, Sócrates visitava-me à noite. Ás vezes trazia consigo outro homem, aparentemente chamado de Platão, apesar de o seu verdadeiro nome ser Arístocles. Apeguei-me a eles. Apeguei-me ao modo de ver a justiça que aquelas pessoas apresentavam. Admirava a negação ao dinheiro, a propagação do conhecimento. Não durou muito, no entanto.

Sócrates foi acusado injustamente em 399 A.C., Meleto, um dos acusadores disse: "...Sócrates é culpado do crime de não reconhecer os deuses reconhecidos pelo Estado e de introduzir divindades novas; ele é ainda culpado de corromper a juventude. Castigo pedido: a morte".

Eu, sob o pseudônimo de Criton, tentei fazê-lo fugir, mas ele, novamente engradecendo o respeito que tinha por sua moral, disse que não iria quebrar as leis da pátria. Essa foi a última vez que o vi. Não assisti sua morte, nunca dormiria mais se o fizesse. Aquilo fez com que minha raiva contra o Estado crescesse e fez com que eu gritasse nas praças como deveríamos nos rebelar. Aquilo foi meu fim.

Abandonei meus pais e acompanhei Platão. Sob a proteção dele estaria bem. Visitamos Siracusa, conheci discípulos pitágoricos, fundei com ele a Academia. Mas aquilo não era para mim. Minha alma com quase 70 anos e meu rosto de 20 assustavam os acadêmicos, assustavam os políticos e assustavam a mim mesmo, precisava de outra realidade.

Fugi para a Macedônia. Acompanhei todas as jogadas isocráticas de Felipe. Acabei entrando no Palácio Real por causa de minhas habilidades em geral. Na época, meu nome já era Pausânias, minhas feições deixavam a brancura e chegavam a um nivel diferente de cor. Sim, eu matei Filipe 2º. Mas eu não fui morto em seguida pelos outros guardas, eu já havia os subornado. Nem tinha um caso ou problemas com o rei, apenas sentia por ele um desprezo imenso, pelo jeito que ele tratava seu filho Alexandre, pelo jeito em que se portava erroneamente.

Bom, se chá você não toma, quer comer uma dessas malditas bolachinhas que eu comprei para você por favor?

Nenhum comentário:

Postar um comentário