domingo, 9 de agosto de 2009

Miak, o começo (4º Episódio)

Sabe, um humano típico conseguiria abrir a janela mais rapidamente. Conseguiu? Ótimo, você quebrou o trinco. Dê-me licença. Pronto.

Bom, o relato seguinte vai ser quase tedioso. Eu fugi do fantasma de Alexandre e suas crias. Fui para o lugar menos óbvio possível, a Península Itálica. Presenciei, talvez, o ápice da Magna Grécia. Pude observar como o ser humano é deprimente, batalhando por causa das culturas conflitantes, por brigas que nem deles mesmo eram e sim de antepassados que realmente tinham motivos para brigar. Deixe-me fazer as contas... 323 A.C. o Alexandre morreu. Bom, por volta de 300 A.C. eu já estava estabelecido em no que hoje é Crotone.

Eu era um ferreiro na época. Optei por isso por causa do anonimato, não queria ninguém me aporrinhando. Eu trabalhava numa pequena forja, habitada apenas por mim, localizada numa antiga rota de comércio do sul da Península. Aprendi na marra a forjar ferraduras e afins.

Antes de continuar minha narração, acho que vou ser obrigado a fazer uma pausa para revelar o que meu pai disse aquela noite em que teoricamente explicou minhas origens. Bom, espero que você entenda o básico de mitologia grega.

Quando Prometeu e seu irmão estavam criando os animais e os homens, foram dadas características e qualidades para cada espécie. Quando finalmente chegou a vez dos humanos, já haviam acabado todas. Prometeu decidiu, então, roubar o poder do fogo e doar aos homens. Até ai está igual aos livros didáticos. Agora vem a parte verdadeira. Não era apenas o fogo. Era algo mais. O fogo que foi roubado para ser dado aos homens carregava o poder da imortalidade. Infelizmente, não são todos os humanos que apresentam isso. Dizem os antigos profetas que seja por causa do deus que esteja fazendo a guarda no instante de seu nascimento. Para mim, é aleatório.

Zeus, obviamente, não gostava da idéia de “mortais imortais”. Afinal, não sei como as pessoas acham que o deus do trovão amarraria Prometeu numa montanha com um animal comendo seu fígado todo dia por causa de um foguinho simplório. O jogo virou, porém, quando Héracles, popularmente conhecido como Hércules, veio à tona. Zeus realmente o abençoou com a imortalidade. A única problemática foi que os membros da minha “classe” puderam encontrar com ele à surdina e o convenceram que ele era um de nós.
Dizem que o manipulador se chamava Miak.

Depois que o Hércules foi “convertido”, seus filhos com as 50 mulheres, filhas do rei Téspio, tornaram-se defensores dos meus “semelhantes”. O Olimpo então declarou guerra contra os imortais impuros. Os deuses, em apoio a Zeus, fizeram uma jogada perigosa. Transformaram nossos defensores em pessoas amaldiçoadas. Hera, por ver seu trabalho de “imortalização” todo jogado fora, fez com que os Amaldiçoados viessem aos Céus. A guerra acabou, e os deuses e os próprios Amaldiçoados, vieram à Terra finalmente. Foi ai que então um verdadeiro Deus chegou, teoricamente.

Ah, os amaldiçoados, diferente de meus semelhantes, são até famosos. Disseram-me que atualmente um deles brilha na luz solar, igual aquelas estrelas de teto de criança. Espero que seja só modinha, porque eles não brilham muito. Surpreso? Eu também fiquei quando vi um amaldiçoado pela primeira vez, na minha forja de Crotone.

sábado, 25 de julho de 2009

O filho de Aristóteles(3º Episódio)

Estavam gostosas? Imagino que sim. Enfim, acho que podemos começar. Onde paramos? Oh sim, Felipe da Macedônia. Após sua morte, seu filho, Alexandre, tomou o poder. Tomar é o termo correto, se lembrarmos da influência de sua mãe com tendências golpistas. Lembre-se pequeno.. er.. Desculpe, não recordo seu nome. Mas lembre-se, nenhuma alma é tão transparente quanto as águas cristalinas da época em que eu era criança e Zeus reinava nos céus da mitologia.

Isso se aplica ao então jovem Alexandre também. Ele não parecia ter vontade de reinar, aquilo estava mais para o “necessário”. Sua mãe o pressionava, assim como a morte de seu pai, causada por mim. Por mais que eu acompanhasse a conduta de Felipe, porém, seu filho não me conhecia.

Quando seus homens ameaçavam deixar as terras pacíficas e adentrar nos campos de batalha, decidi acompanhá-los, talvez por curiosidade, talvez por falta do que fazer. À medida que o grande general avançava nas terras asiáticas, eu o acompanhava com intervalo cada vez menor, chegando cada vez mais perto das penas de seu elmo.

Ele fora aprendiz de Aristóteles, eu de Sócrates. Ah se ele soubesse minha idade. Talvez até me mataria por medo. Apresentei-me apenas como conhecedor das filosofias de Platão, das histórias de Sócrates e etc. Pouco a pouco aproximei-me do círculo interno da “família de Alexandre”. O engraçado foi que não me reconheceram apesar dos retratos falados do tal “Pausânias, o Assassino”.

O destaque, porém, dessa parte do relato, não é o loiro egocêntrico que comandava todos aqueles homens, mas sim os amores que envolvem essa época. Roxana era de inestimável beleza. Eu vi o casamento deles, quando foi anunciado assim. Na primeira vez que botei os olhos em tal criatura, pude sentir uma coisa que nunca havia sentido.

Nos tantos anos de consciência, nunca pensei que algo fosse me arrebatar com tanta intensidade. Minhas mãos suavam mais que nas batalhas em que enfrentei exércitos de homens barbudos armados. Os pêlos da minha nuca, mesmo raros, levantavam, seguindo meus instintos humanos da paixão.

Algo mais forte que a simplória luxúria, mais que tara. Algo que transcendia o conhecido por mim até então. No começo julguei ser fascinação pela beleza do leste, mas aquilo começava já a consumir minha alma.

Nesses tempos, Alexandre procurava unir a cultura natal com a cultura do oriente, eu só desejava tal coisa no nível do amor. Para não me prolongar tanto, vou te mostrar quando me arrisquei nos versos e imortalizei o momento histórico em que, por força, vários povos se uniam:


“Flores pisadas

Espadas quebradas

Muralhas rachadas

Matanças sem fim


Histórias lacradas

Amantes caladas

Adagas cravadas

Amores sem fim


Vacas sagradas

Divindades barbadas

Criaturas aladas

Culturas sem fim


Mortes fechadas

Amizades bradadas

Lavouras rachadas

Alexandrias sem fim


Oh meu senhor

O que seria de mim

Se sua mulher

Vivesse em meu jardim.”


Eu compreendo o que seus olhos perguntam. Sim, consumei minha paixão. Lembro até hoje, quando Roxana fugiu para minha barraca. Talvez eu tenha algum poder de sedução sobrenatural, mas isso nós podemos descobrir mais à frente. Ela entrou no pequeno lugar, encontrou-me sentado remoendo os pensamentos. Ela afastou meus cabelos dos meus olhos, esquadrinhou minhas feições, aconchegou meu pescoço em suas mãos e tocou meus lábios com os seus. O que veio depois foi tão absoluto, que não ouso descrever aqui.

Quando Alexandre morreu, eu descobri o final trágico daquela história. Os antigos amigos dele brigavam entre si por pedaços de terra. Eu fui ameaçado de assassinato, de execução. Não sei como, mas descobriram os meus pecados carnais. O filho, Alexandre IV, foi a maior incógnita até então. Incógnita que meu coração não soube suportar. Deixei aquelas terras ermas sem descobrir o pai da criança, visto que se fosse mesmo minha, não viveria por muito tempo, fosse morta por política, ou por causa de minha “enfermidade”.

Abra a janela por obséquio. O suor já ataca meus poros. Ah, se você preferir, tire seu tênis, permita-me que eu guarde seu casaco, a história deverá alongar-se até o ponto da exaustão humana.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Atenas de Meleto (2º episódio)

Oh, perdoe-me. Eu aqui, entretido com o notebook e acabei esquecendo os modos. São anos sem exercer a etiqueta, desculpe-me. Venha convidado, vamos passear, você pode anotar minhas observações num bloquinho mesmo.

Estranho que nos seus olhos não consigo diferenciar a admiração da envolvente curiosidade. O último sorrateiro que me roubou o direito de privacidade está cortado em pedaços, então se considere com sorte. E se fosse Carlos o seu anfitrião, provavelmente você estaria digerido agora. Não, ele não é lobisomem, muito menos vampiro. Nem eu. Vê? Eu coloco a mão para fora da janela e não estou cheirando carne podre.

Muitos nos confundem com essas criaturas. Se elas existem mesmo ou não, você descobrirá mais para frente, se eu achar prudente contar a você. Não existe um nome certo para o que eu sou. Não sou um vampiro, não sou uma líder de torcida heroína, não sou o Wolverine. Eu apenas vivo bastante e tenho sorte. Minhas necessidades são humanas, biológicas. O que me torna diferente dos mortais é exatamente o tédio que a suposta “imortalidade” causa.

Veja bem, não tenho como saber se eu sou imortal ou não, porque posso cair morto em 5 minutos, daí não serei mais imortal. Essa vida longa, porém, me aproxima da bestialidade.

Mas voltando ao tédio, alguns de minha “espécie” procuram satisfazê-la com violência, sexo, sangue, como você verá que é o caso de Carlos. Eu cansei disso. Nunca tentei e pretendo morrer antes de tentar. É por isso que você, caro candidato número 2, está aqui. Carregar esse segredo depois da minha morte.

Bom, você deve estar curioso sobre o final da batalha de Platéia. Aquele torpor involuntário que tomou conta de mim acabou alguns dias depois. Eu acordei de súbito, em um quarto luxuoso, em Atenas. Meu pai estava do meu lado, segurando minha mão, portando um olhar que explicitava a morte de minha mãe.

Em uma semana, ele explicou-me o que eu era, de onde eu vinha e por que eu estava ali. Isso eu te conto quando der. Continuei em Atenas, já que me consideravam doente, pois eu apresentava características albinas, vistas como enfermidade na época. Em aproximadamente 410 A.C., fui apresentado a um formidável homem. Ele atendia pelo nome de Sócrates.

Devido à minha atual condição de “enfermo”, Sócrates visitava-me à noite. Ás vezes trazia consigo outro homem, aparentemente chamado de Platão, apesar de o seu verdadeiro nome ser Arístocles. Apeguei-me a eles. Apeguei-me ao modo de ver a justiça que aquelas pessoas apresentavam. Admirava a negação ao dinheiro, a propagação do conhecimento. Não durou muito, no entanto.

Sócrates foi acusado injustamente em 399 A.C., Meleto, um dos acusadores disse: "...Sócrates é culpado do crime de não reconhecer os deuses reconhecidos pelo Estado e de introduzir divindades novas; ele é ainda culpado de corromper a juventude. Castigo pedido: a morte".

Eu, sob o pseudônimo de Criton, tentei fazê-lo fugir, mas ele, novamente engradecendo o respeito que tinha por sua moral, disse que não iria quebrar as leis da pátria. Essa foi a última vez que o vi. Não assisti sua morte, nunca dormiria mais se o fizesse. Aquilo fez com que minha raiva contra o Estado crescesse e fez com que eu gritasse nas praças como deveríamos nos rebelar. Aquilo foi meu fim.

Abandonei meus pais e acompanhei Platão. Sob a proteção dele estaria bem. Visitamos Siracusa, conheci discípulos pitágoricos, fundei com ele a Academia. Mas aquilo não era para mim. Minha alma com quase 70 anos e meu rosto de 20 assustavam os acadêmicos, assustavam os políticos e assustavam a mim mesmo, precisava de outra realidade.

Fugi para a Macedônia. Acompanhei todas as jogadas isocráticas de Felipe. Acabei entrando no Palácio Real por causa de minhas habilidades em geral. Na época, meu nome já era Pausânias, minhas feições deixavam a brancura e chegavam a um nivel diferente de cor. Sim, eu matei Filipe 2º. Mas eu não fui morto em seguida pelos outros guardas, eu já havia os subornado. Nem tinha um caso ou problemas com o rei, apenas sentia por ele um desprezo imenso, pelo jeito que ele tratava seu filho Alexandre, pelo jeito em que se portava erroneamente.

Bom, se chá você não toma, quer comer uma dessas malditas bolachinhas que eu comprei para você por favor?

1ª impressão(1ºepisódio)

Fui criado numa família digna. Os traços fracos da minha textura alva e sensível não condiziam com a forte pele dos meus supostos progenitores. Como eu havia parado ali, porém, eu não sabia. Fui treinado nas artes da música, da luta e nas tradições atenienses da época. Aos 18 anos, em 432 A.C., voltei para casa, depois dos treinamentos com meu mentor.

As tensões aumentavam, os anciões diziam. Meus pais tiveram uma idéia inusitada, quiseram levar-me para morar na Platéia. A discrição de nossa ida assustou-me, na época não imaginava o por que. Mesmo indagando várias e várias vezes, ninguém me respondia. Ao chegar à cidade, meu primo Eseus nos forneceu abrigo. Havia vários guardas na frente da casa, imaginei que fosse por causa do alto cargo militar de meu parente.

Os dias se passavam e eu aproveitava o passeio. Apesar do clima, conseguia observar a cidade nas minhas caminhadas matinais. Degustava o vinho local e adquiria as cerâmicas bem-feitas da região. Na primavera de 431 A.C., andando nas ruas calmas de Platéia, 10 homens aproximaram-se e investiram contra mim. Eu me preparei para a batalha. Usando os artifícios atenienses de luta, resisti até que vários guardas viessem em meu auxílio. Um deles gritou “São de Tebas!”. “São de Tebas!”.

No dia seguinte, a Guerra do Peloponeso estava finalmente declarada. As forças tebanas e espartanas, ultrajadas com a acusação de atentado, avançaram aos portões da minha cidade-abrigo. O cerco durou alguns anos, lutei em todos. Consigo sentir a areia quente nos meus pés da última batalha até hoje...

“Perseu, acorde! Eles estão aqui de novo!”. Corri para meu posto. Com a lança e o escudo em mãos urrava contra os espartanos que vinham em minha direção. Mesmo com o portão arrebentado, eu corri em direção a eles, acompanhado de centenas de soldados atrás de mim. Meus ombros queimavam ao sol. Num salto certeiro, atravessei um inimigo por inteiro. Girei, cortei a perna de mais um. As flechas circulavam como pássaros curiosos. Uma delas acertou o lado esquerdo do meu capacete, arrancando-o.
Meus cabelos voaram a favor do vento, mostrando sua brancura. Aquilo deixou os tebanos atacantes perplexos, momento o qual eu aproveitei. Nocauteei mais um. Os aliados começavam a minguar no meio de tantos espartanos e tebanos. Até que uma flecha alvejou minha coxa direita e um escudo acertou minha têmpora esquerda. A temperatura começou a baixar, não sentia mais o chão quente.

Falando nisso, aceita chá?

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Prólogo

O frágil Clay corre os olhos pelos números na rua. Procura o endereço do jornal. Ele só precisa registrar e preparar uma biografia para um ricaço que quer perpetuar seu "status" e consegue o dinheiro para as contas do mês seguinte.

Finalmente, acha a casa que procurava. Seus jardins bem cuidados e a cor vermelho sangue das paredes chamam atenção. Ele toca a campainha. Um criado o recebe. Subidas as escadas, o jornalista falido ouve uma voz, uma voz que conta uma história. Uma voz envolvente, uma voz experiente, uma voz de quem morreu, mas não sabe ainda.

"A vida é uma benção. A morte também. Desisto agora do meu segredo. Aquele um que esteve presente na minha história desde o começo dos tempos. Segredo compartilhado por poucos, segredo secreto mesmo com todos sabendo. Meu nome é Perseu, filho de Euclides. Nasci em Atenas, no ano de 450 A.C. O notebook que esquenta meu colo deverá ser outra testemunha de minha vida, antes do final. Em mãos, tenho o diário de Carlos, nascido no ano de 380 depois de Cristo.

O segredo tem sido mantido desde os primórdios, portanto vou deixar que ele seja interpretado da forma que você, testemunha, bem entender."